O RESGATE DE CAMILO - Livro


SINOPSE

A trama  se desenvolve em torno de uma criança que morre aos 10 anos vitimada por uma má formação genética. Ao retornar ao mundo espiritual, ela reencontrará um grande amigo dos  tempos da Segunda Guerra Mundial, quando se envolveu emocionalmente com uma moça com quem viverá um romance velado e cheio de ternura. No entanto a guerra lhe reserva um grande trauma, do qual não conseguiria se livrar sem encarar a dor na própria pele. Um romance repleto de amor, ternura e gratidão. Para lavar a alma.

R$ 30,00 ( frete GRÁTIS para qualquer lugar do Brasil) - ENTREGA: 5 DIAS ÚTEIS. Receba autografado.


(LEIA O PRIMEIRO CAPÍTULO)

Luiz Cezar Carneiro Rodrigues


O Resgate de Camilo


O Resgate de Camilo

Luiz Cezar Carneiro Rodrigues

Revisão:

1ª Edição — Tiragem:

Diagramação:

Foto da capa:



Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - (CIP)





















Agradecimentos


À minha esposa e filhos pela incondicional fé em meu trabalho;
A minha família e amigos de jornada terrena;
As amigas Virgínia Angélica, Laênia Azevedo e Rejane Diógenes, pela avaliação sincera da obra em sua fase de elaboração;
Ao pesquisador e confrade Rubens Toledo pela valiosa contribuição;
Aos mentores espirituais pela maravilhosa inspiração.




Minha eterna gratidão.














Para Gabriel (in memoriam)























































"A verdade alivia mais do que machuca e estará sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água."
Miguel de Cervantes






















SUMÁRIO


Algumas palavras do autor...........................................07
Capítulo I — Um breve despertar...................................09
Capítulo II — A perda.....................................................18
Capítulo III — Encarando seus fantasmas.......................32
Capítulo IV — De volta ao passado................................59
Capítulo V ¬— Pesadelo ou realidade?..............................78
Capítulo VI — Um feliz reencontro................................106
Capítulo VII — Um novo projeto...................................124
Capítulo VIII — O resgate..............................................150
Capítulo IX — O novo Rafael.........................................164
Capítulo X — Finalmente em casa..................................168
Capítulo XI — O inesperado acontece............................170











Prólogo

Nós, os Pais, muitas vezes nos questionamos quanto aos nossos procedimentos e atitudes em certas ocasiões passadas, quando as consideramos como fator gerador dos desequilíbrios morais de nossos filhos. Talvez, remexendo no nosso passado, pudéssemos encontrar a explicação para a existência de filhos ingratos, violentos, avessos à paz e ao entendimento e outros tantos comportamentos que muito deixam a desejar no convívio familiar, com reflexos imediatos na vida social de forma geral. Porém, há casos em que nem mesmo tais considerações poderiam explicar. Como explicar a presença em nosso círculo familiar, de um filho com graves problemas físicos ou mentais, se o histórico biológico do casal não aponta nenhuma anomalia há várias gerações? Como conciliar a justiça divina com essas anomalias que provocam profundo sofrimento, tanto para suas vítimas quanto para os pais, que na maioria dos casos, perdem seus rebentos ainda em tenra idade? Como aceitar, na condição de pais, a perda de seus filhos depois de anos de pura dedicação, carinho, atenção, cujo vazio no coração jamais será preenchido?
Quando se admite a possibilidade da evolução moral e intelectual do Homem fundamentada na reencarnação, nossos olhos parecem enxergar com mais clareza alguns fatos que para a maioria sequer há explicação plausível, enquanto para muitos, é apenas mais um enigma de difícil solução. Creio, porém, que através da evolução do espírito, em sucessivas experiências na terra, luzes se fazem sobre as sombras de nossa ignorância, e percebemos o quanto a misericórdia divina contempla sempre aquele que de boa vontade aceita recomeçar as tarefas deixadas de lado, muitas vezes para atender ao nosso próprio orgulho ou vaidade. Mais uma vez, parece ser a reencarnação, a única resposta plausível a inúmeros casos dolorosos que se verificam no mundo material sem que nenhuma causa lhes possa atribuir, exceto aquela que equivocadamente atribui ao próprio criador a existência de todos os males que assolam a humanidade.
No relato que se segue, teremos a oportunidade de refletir nas causas geradoras dos desequilíbrios morais, e como os eventos passados refletem positiva ou negativamente no momento presente através de suas inevitáveis consequências. É também, uma advertência, para que, observando os eventos que se desencadeiam ao nosso redor com ou sem a nossa participação direta, possamos julgar nossa própria conduta, percebendo que, apesar da dor, Deus nos dar sempre a oportunidade de redenção.
Atento às necessidades de quantos buscam compreender esse tema, seja por viverem na prática tão traumáticas experiências, seja porque a simples ideia de receber um filho “especial” os apavore, resolvemos, neste trabalho, tratar especialmente desse fascinante assunto sob a ótica da imortalidade
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, fatos ou lugares aqui descritos, terá sido mera coincidência.


O Autor










I
Um breve despertar

Rafael acordou naquela manhã, num leito de hospital como em tantos outros em que fora assíduo frequentador durante toda a sua vida. A diferença estava no ambiente ao seu redor. Nada de equipamentos eletrônicos de batimentos cardíacos e da atividade cerebral ou aquele desagradável cabide de pendurar soro, tão comum em ambulatórios e leitos hospitalares.
Uma pessoa em especial lhe veio na mente: Lúcia, sua mãe. Por que não estava ali do seu lado, na cadeira de acompanhante como sempre?
Qual criança perdida tenta se levantar, o que faz sem qualquer dificuldade. Ninguém no quarto a impedir-lhe. Abre a porta com cuidado e tenta se localizar. Afinal que lugar era aquele? Não se lembrava de ter estado nele antes. Aliás, a única coisa que lembrava mesmo, era do mal-estar que o pegara de surpresa na noite anterior.
Sim, naquele momento confidenciou com sua adorada mãe que chegara a temer que algo lhe pudesse acontecer, como o que ocorrera à sua tia-avó, que poucos dias antes sofrera um AVC.

— E agora? — pensou o pequeno, sem saber a quem recorrer.
Confuso, caminhava pelo quarto, tentando identificar algo, como a evocar antigas lembranças. Nada! Sabia que não estava no Sarah , muito menos no Albert Sabin, onde fizera boa parte do tratamento médico, inclusive a retirada de seu olho direito, alguns meses antes.

— Onde está minha mãe? — murmurou baixinho para si mesmo.
Como se alguém o monitorasse de forma a atender-lhe todas as necessidades, ouviu duas leves batidas na porta e em seguida ela se abre, deixando entrar prestimosa enfermeira.
— Rafael, como você está se sentindo? — pergunta a enfermeira atenciosa.
— Estou muito bem, obrigado. Mas gostaria de saber onde está a minha mãe. Ela nunca se afasta de mim nas internações.
— Verdade... É que dessa vez, infelizmente, ela não pôde acompanhá-lo...
— Por que não? — Corta Rafael sem qualquer receio.
— Porque este hospital é bem diferente de todos em que já esteve.
— Hospital é sempre hospital não é? Só vão até eles, os que precisam de tratamento! — argumenta o pequeno bem ao seu estilo.
— Sim, você tem toda a razão. E você está aqui para tratamento, sim! Mas desta vez, é definitivo.
A enfermeira falava com segurança, deixando-o bastante impressionado. Não falava como se quisesse apenas confortá-lo, como se acostumara a ouvir sempre.
No fundo ele sempre soube que aquilo tudo era promessa vazia, porque o seu estado de saúde só piorava com o passar do tempo.
— Vão resolver meu problema de vez... É brincadeira? — indaga Rafael fazendo gracejo.
Aquele sorriso maroto cativara a enfermeira que com simpatia tentava explicar a sua atual situação.
— Acontece Faelzinho –, fala a moça evocando seu apelido de família — que você entrou numa nova fase do tratamento. Aqui, vai rever velhos amigos, e eles o ajudarão não só a compreender seu verdadeiro estado, mas também o curarão, definitivamente.
— Que amigos seriam esses? E como poderia eu ter algum amigo por aqui?
Enquanto a enfermeira entretinha o paciente, entra no recinto mais um profissional daquela instituição.
— Bom dia, Rafael... — cumprimenta o visitante com simpatia.
— Dr. Pessoa, que bom que chegou... Nosso jovem paciente está com muitas dúvidas sobre nosso hospital bem como o tratamento a que será submetido aqui. Adiantei-lhe algumas coisas, mas creio que só o senhor, por razões bem específicas poderá tirar todas as dúvidas.
— Claro, Neide, muito obrigado. — Fala o médico acomodando-se na cadeira, esperando o “interrogatório” do pequeno paciente.
— Por que não me lembro do senhor presente nos tratamentos que já fiz, embora seja sua aparência bastante familiar?
O médico sorri observando a forma despojada do novo paciente.
— Diria que somos amigos de muito tempo... — começa o doutor como a buscar na memória, alguma lembrança marcante.
— Curioso... Tenho mesmo a impressão de que já o conheço de algum lugar... “Dr. Pessoa!”... De onde seria?— fala o pequeno segurando o queixo enquanto bate com o indicador na boca, numa característica bem peculiar quando algo lhe martelava a mente.
— Somos velhos conhecidos. Tenho lhe visitado com certa frequência...
— Desculpe-me — corta o garoto intrigado –, mas se me visitava frequentemente, devia ser enquanto eu dormia, porque não me lembro do senhor com tantos detalhes. Ou será que minha cabeça está tão ruim quanto parece?
O médico não consegue conter o riso. Rafael se divertia ao associar as palavras à sua própria aparência. Era uma maneira especial de deixar as pessoas à vontade em sua presença para que não externassem aquela terrível sensação de “pena”, que as pessoas consideradas “especiais” costumam detestar. Diga-se.
— Então Rafael! Dizia eu, que o visito frequentemente, e você completou muito bem meu pensamento. Quando você dorme, eu o visito, e temos conversado bastante, e sobre vários assuntos, especialmente sobre o seu retorno ao tratamento.
— Retorno ao tratamento... Muito confuso! — Considera Rafael, com estranheza. — Na verdade, nunca tive de “retornar”. Minha vida inteira é um tratamento! E minha mãe, o que acha dessa ideia? — Indaga.
— Ela aprova! Totalmente! Até porque, o resultado final, é o que ela sempre sonhou para você, meu amigo.
— E que “resultado” seria esse? — pergunta o pequeno com ar de graça.
— A cura definitiva do seu problema. — Responde o médico sem rodeios.
— Tá brincando! — fala Rafael irreverente. — Tá querendo dizer, que meu olho perdido vai funcionar, que poderei ser um menino normal, e crescer como os outros, correndo, pulando, andando de bicicleta, jogando futebol? Tá aí uma coisa que pagaria para ver!
O médico não disfarça a simpatia por aquele garoto, sorrindo em quanto o pequeno se diverte com toda aquela conversa de ficção.
— Comecemos por explicar a razão de você estar aqui, meu amigo. ¬— Fala agora o médico com semblante sério.
— Estou esperando... — fala Rafael se esforçando para subir na cama.
Sentado na cama, balançando as pernas sem que os pés tocassem o chão, Rafael aguardava ansioso pelo parecer do médico.
— Bem... — começou Dr. Pessoa tentando fazê-lo de forma que fosse compreendido sem dificuldade. — Você sempre foi uma criança precoce, meu caro Rafael. Isso é muito bom, porque o que vou lhe falar agora é assunto para adulto, e sei que sua personalidade forte e determinada não terá qualquer dificuldade em aceitar o que revelarei.
Rafael aguarda dessa vez sem qualquer questionamento.
— Por várias vezes você esteve a um passo de estar aqui conosco, mas, nossos maiores, decidiram que não era o momento oportuno, em vista de um pedido seu. Alguém precisava muito de você.
Ganhando a atenção do pequeno, Dr. Pessoa prossegue:
Na sua última crise, foi socorrido a um hospital, mas não este. Aqui é, na verdade, um ambiente bem peculiar. Você acredita na vida após a morte, Rafael?
— Claro que sim! A gente vai para o céu, ou para o inferno, dependendo de como a gente viva, fazendo o bem ou o mal, e, em alguns casos, pode-se ir para o purgatório até merecer o céu. É o que sempre afirma Padre José. Por acaso está errado?
— Não! Está correto, mas...
— Esse “mas”, não é boa coisa não é? — pergunta o pequeno arrancando mais um discreto sorriso do doutor.
— Seu senso de humor é ótimo meu amigo. Fico muito feliz por você, afinal nessa última jornada, você amargou maus bocados e sem seu talento para o riso, sua irreverência, sua precocidade fascinante, teria mesmo sofrido além da conta.
Impaciente o pequeno intervém:
— Mas prossiga doutor... Não vai querer me convencer de que estou morto, não é?
Dr. Pessoa não resiste e solta uma gargalhada.
— Você se acha morto? — pergunta o jovem médico sem rodeios tão logo se refez da crise de riso.
— De forma alguma. Sei que não estou, por isso, seria inútil tentar me convencer do contrário. — Fala o pequeno decidido.
— Nem pretendo, porque você mesmo acabou de afirmar o que pretendia lhe demonstrar.
— Não entendi... — fala o pequeno reflexivo.
Rafael tentava raciocinar com clareza após algumas palavras enigmáticas contidas no diálogo, como se lhe escondessem alguma coisa importante, e agora aquele papo de vida após a morte. Tudo muito estranho ¬¬— pensou.
— Você está certo amigo. Você está vivo, e ouso dizer que, a morte de fato não existe. Pelo menos, não como a maioria das pessoas imagina. Ela não é nada além de uma mudança de estado. Por exemplo, você...
— Eu, o quê? Mudei de “estado”? — indaga simulando as aspas com dois dedos de cada mão.
Rafael parecia se divertir com toda aquela prosa para lá de sobrenatural.
— Não vejo razão para usar meias palavras com você meu amigo, até porque, o que lhe falar agora, será demonstrado, de forma que não lhe reste qualquer dúvida.
— Vai afirmar que morri, mas continuo vivo, e demonstrará isso? Como? — indaga Rafael sério.
— Você mesmo admitirá que está melhor aqui e agora, do que jamais esteve.
— Isso é verdade... — constata o pequeno testando a respiração e os movimentos de pernas e braços.
Embora não soubesse como, a visão do olho esquerdo parecia restaurada. Primeiro começou a divisar vultos, mas ao longo da conversa, já percebia sensível melhora no olho esquerdo, fato que o impressionara bastante, pois usava uma prótese ocular havia mais de um ano.
— E pela primeira vez, sua mãe não está aqui, quando deveria estar...
— Verdade... — admitiu.
— E que você está num lugar que não conhece, com alguém que não se lembra, mas ambos lhe parecem familiar...
— Sim... Um pouco! Admito.
— Então, convido-o a refletir. Tente se lembrar dos últimos acontecimentos antes de acordar neste leito. Verá que de fato mudou de ambiente. As dores frequentes que sentia desapareceram espontaneamente, sem qualquer intervenção cirúrgica ou tratamento a base de fármacos de qualquer espécie. Observe seu próprio estado atual e constatará que não há motivo para qualquer receio. Posso lhe garantir que é este um estado natural. Diria na verdade, o nosso verdadeiro e real estado. Logo, não há motivo algum para temer, ou, duvidar. Contudo, descobrirá com o tempo que esse ambiente no qual se encontra, comporta algumas regras, leis naturais, como prefiro. É um modo de vida, na verdade, e aos seus olhos, em pouco se diferencia do seu estado anterior, exceto pelo fator “bem-estar”.
Rafael recebia aquelas palavras com profundo interesse. Ao ouvir as últimas palavras do Dr. Pessoa, perguntou encarando-o.
— E esse “bem-estar”, inclui minha cura definitiva, suponho. Mas me parece que preciso abrir mão de coisas muito importantes para merecê-la não é? Do contrário, não estaria o senhor com rodeios para chegar ao ponto.
Dr. Pessoa não conteve o riso mais uma vez ao perceber a capacidade de raciocínio do garoto aliada ao seu incomparável bom humor.
— Depende do ponto de vista. Na verdade, não será separado definitivamente dos seus familiares e amigos — responde o médico sem titubear.
— Mas, se for verdade o que afirma, que será da minha família, minha mãe, irmãos, meu pai, tias, avós... Poderei vê-los quando quiser?
Rafael falava agora com ar de tristeza. Sentia como se aquele novo ambiente o prendesse longe dos seus entes amados, embora a promessa de cura definitiva do médico lhe empolgasse.
Parecendo ler seus pensamentos, Dr. Pessoa sentencia:
— No momento, receio que haja algumas restrições a esse respeito, mas posso garantir que todos ficarão muito bem ao saberem que você está bem. E saberão, todos, no devido tempo. Prometo-lhe.
Aquelas palavras de Dr. Pessoa o confortaram apesar de tudo.
Não foi difícil entender.
Admitia que estava fisicamente, melhor que nunca. Jamais sentiu tanta clareza de raciocínio, bem como tão pouca influência de sua deficiência nos movimentos, na visão, na audição. Todos os seus sentidos pareciam ampliar-se de repente, facultando-lhe um grau de percepção e de bem-estar nunca antes experimentado. Apenas relutava quanto a tal “mudança de estado”. Precisava compreender melhor o processo, já que por tanto tempo acreditara ser o além túmulo algo repleto de mistérios insondáveis, em que muitos acreditavam na existência de criaturas angelicais ou diabólicas a recepcionarem os pobres mortais.
Tudo aquilo que via agora, e a forma como compreendia as coisas, era tão simples, que de certa forma, tornava-se difícil de acreditar.
— Entendi... — fala revelando uma pontinha de tristeza. —Mas eles estão bem? Não gosto da ideia de saber que sofrem por minha causa.
— Na medida do possível, bem. Alguns lamentam profundamente sua partida, outros a bendizem. Depende do ponto de vista de cada um, e da forma como entendem o fenômeno que denominam “morte”. — Responde Dr. Pessoa enfatizando com gestos as aspas na última palavra.
— Meu Deus... Estou mesmo morto? É sério? Se isso é mesmo verdade, imagino minha pobre mãe. Tanto carinho, tanta dedicação por mim. Deve estar de coração partido. Meu pai, meus irmãos... Minha tia Áurea... — lamenta Rafael, desejando que soubessem que estava realmente muito bem.
— Esse seu último pensamento acaba de ser captado por alguns deles meu amigo, especialmente sua mãe, que recebeu um suporte especial nas últimas horas. — Fala o médico confortando-o.
— E em que momento encontram-se agora? — pergunta Rafael resignado.
Com muito cuidado, Dr. Pessoa dirige a conversa de forma a consolá-lo, evitando expectativas angustiantes.
— Recebem parentes e amigos para as últimas homenagens a você. Conquistou muitas e sinceras amizades meu amigo. Tantas que, não por acaso, foi trazido direto para cá tão logo se completou o desenlace.
— E não é assim com todos os que “mudam de estado?” — pergunta curioso sem disfarçar uma ponta de mal-estar.
— Quem dera fosse.
— E o que fiz eu para merecer tal deferência? — Pergunta Rafael com humildade.
— Bravura! Bravura diante da dor!
— Espere aí... Conheço esse termo de algum lugar...
Rafael tentava a todo custo se lembrar onde ou quando ouvira aquelas palavras, com a mão no queixo mais uma vez, como se aquela frase ricocheteasse em sua mente.
Rafael quase pôde ouvir uma estranha voz pronunciar aquelas mesmas palavras, como num “Déjà vu”.
Dr. Pessoa com muita inspiração falava agora com a alma elevada. Suas palavras enchiam o ambiente de paz e uma alegria indescritível se apoderara do pequeno, amenizando as angústias que sentira momentos antes.
— Saiba que na terra, pouquíssimos são os que se comportam bem diante da dor, seja ela física ou moral. Você mereceu sim a dádiva especial para aqui estar. Para estar ausente nos dolorosos momentos da despedida dos seus parentes no funeral; para não sofrer a angústia de se ver fora do corpo sem a ele poder voltar; para não sentir o impacto terrível dos pensamentos mesquinhos emitidos por aqueles que julgavam amá-lo; para não ter que ver sua dedicada e amorosa mãe se despedir de você, como se um pedaço de si mesma fosse para sempre entregue à terra; e, tantas outras sensações que costumam desequilibrar até os mais fortes. Sim meu amigo, és ditoso. Teu exemplo de vida; a forma como encarou as restrições físicas do corpo débil que recebeu como morada, e a gratidão que sempre teve por aquela que cuidou de você como ninguém jamais o faria, te conferiram a graça de estar conosco, neste ambiente totalmente isolado de qualquer sentimento angustiante emitido na terra. Contudo, o pensamento daqueles que sinceramente tinham afeição por você será recebido aqui, como energias salutares a te ajudar no processo de reversão dessa forma com que agora te apresentas. Forma, totalmente desnecessária, diga-se, ao novo estado em que te encontras.
Rafael não conteve as lágrimas. Não sabia muito a respeito de si mesmo. Não entendia a razão de seu comportamento nos últimos dez anos influenciar nos méritos que o julgavam ter.
Por que nascera com aquela doença? Por que sua mãe, em especial, dispensara-lhe tanto carinho e atenção? E se era mesmo verdade que estar ali, o poupava de tantos dissabores, que méritos reais o faziam merecedor de tamanha dádiva? Haveria um passado que pudesse explicar a lógica com que os fatos lhe eram agora expostos?
Sua cabeça fervilhava em questionamentos. Nem uma lembrança, porém, lhe vinha à mente de forma a esclarecê-lo nos pormenores.
— Sei que é tudo muito recente, e novo, para que você esteja totalmente à vontade conosco meu caro Rafael. Mas, como lhe prometi, em breve nossos especialistas o ajudarão a recuperar sua verdadeira forma, então, luzes se farão sobre as espessas nuvens que rondam seus pensamentos, causando angústias descabidas. Esperança meu amigo, é a palavra. Saiba esperar, como no mundo material nosso corpo espera pela digestão que o nutrirá. É um prazer revê-lo, novamente. Sei que em breve estará totalmente reabilitado e pronto para assumir suas funções.
Dito isso, Dr. Pessoa se despede, deixando Rafael envolto em profunda reflexão. Já não parecia um garotinho frágil em um corpo débil. Seu olhar e sua postura eram típicos de um ser adulto, consciente, cuja determinação, sua característica mais marcante, não o abandonara jamais.
***
A situação de Rafael era deveras interessante. Naquela instituição onde se encontrava, haviam alguns setores especializados para tratar de pessoas que sofreram em vida, grandes traumas, afetando ou não a esfera psíquica em razão da especialidade da instituição ser o tratamento dos envolvidos em conflitos bélicos. Alguns amigos de Pessoa entendiam que era preciso deixar Rafael conviver com outros em idênticas condições, ou seja, com aqueles que se recusavam a assumir a forma adulta, conservando ou não a aparência atual. O fato é que, as deficiências podem ou não, marcar o corpo espiritual por determinado espaço de tempo. Nesses casos o espírito reencarnaria ainda levando para o mundo material as sequelas relacionadas aos traumas de vidas anteriores.
Frequentemente, os processos dolorosos têm nesses traumas a sua origem, especialmente quando se trata de suicidas e abortados ou os causadores de grandes atrocidades contra a humanidade. Porém, o caso de Rafael não se enquadrava nesse perfil.
O estado evolutivo dos espíritos, comportando os dois aspectos fundamentais da vida eterna, ou seja, o moral e o intelectual, é que define a intensidade de certos traumas, e o quanto eles podem marcar a alma.
Pessoa estava à frente daquele caso. Sua posição, e o fato de conhecer Rafael de longa data, tornaram-no apto a decidir com autonomia o processo mais viável àquela situação.

PARA LER A OBRA NA ÍNTEGRA, CONTATAR O AUTOR - DISPONÍVEL SOMENTE NA VERSÃO IMPRESSA.

Nenhum comentário:

Obrigado pela visita